No universo das sociedades empresariais, a convivência entre sócios nem sempre é marcada pela harmonia e pelo alinhamento de interesses. Por mais que as relações se iniciem com entusiasmo e confiança mútua, divergências sobre a gestão do negócio, os rumos estratégicos, ou mesmo sobre a forma de distribuição de lucros, são situações frequentes que, se não forem previamente reguladas, podem comprometer a estabilidade da empresa e, em casos extremos, levá-la à dissolução.
É nesse cenário que ganha especial relevância o chamado acordo de sócios, conhecido no direito brasileiro como pacto parassocial, e, em sua versão internacional, como shareholders’ agreement. Trata-se de um instrumento contratual celebrado entre os sócios de uma empresa, com a finalidade de disciplinar suas relações internas, estabelecer regras de governança, definir políticas de entrada e saída de investidores, e, sobretudo, evitar ou mitigar conflitos que possam surgir ao longo da vida societária.
Importância do acordo
Embora o contrato social ou o estatuto da sociedade desempenhe um papel fundamental ao estabelecer a estrutura básica da empresa, nem sempre essas normas são suficientes para regular todos os aspectos que envolvem a convivência societária. O contrato social define, por exemplo, a participação de cada sócio no capital, as atividades da sociedade e a forma de administração. No entanto, questões sensíveis, como a resolução de impasses, a política de dividendos, as regras para alienação de quotas ou ações, o direito de preferência, e a proteção de sócios minoritários, muitas vezes demandam uma disciplina mais detalhada, que pode ser oferecida justamente pelo acordo de sócios.
Do ponto de vista jurídico, o acordo de sócios encontra amparo no artigo 118 da Lei das Sociedades por Ações (Lei 6.404/76), no que diz respeito às sociedades anônimas, e no artigo 421 e seguintes do Código Civil, que asseguram a liberdade contratual no âmbito das sociedades limitadas, desde que respeitados os princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.
Entre os temas mais recorrentes que costumam ser abordados nesses pactos, destacam-se:
Governança corporativa — Definição de quóruns qualificados para determinadas deliberações, indicação de administradores, composição do conselho de administração, existência de comitês consultivos, e procedimentos para convocação e realização de assembleias ou reuniões de sócios.
Direito de preferência e restrições à transferência de participação — Regras que disciplinam como e quando um sócio pode vender suas ações ou quotas, incluindo direitos como o tag along (direito de acompanhamento) e o drag along (direito de arrastar).
Entrada e saída de sócios — Estabelecimento de mecanismos para compra e venda de participações, seja por direito de preferência, seja por cláusulas específicas como a shotgun, a put option, ou a call option, sempre com vistas a evitar a entrada de terceiros indesejados ou a proteger os interesses dos sócios remanescentes.
Política de distribuição de lucros e reinvestimento — Definição clara sobre quando e como ocorrerá a distribuição de dividendos, ou sobre a necessidade de reinvestimento de lucros no próprio negócio.
Soluções para impasses societários — Previsão de mecanismos de mediação, arbitragem ou cláusulas de compra e venda compulsória em caso de deadlock, visando a assegurar a continuidade da empresa e preservar seu valor de mercado.
Confidencialidade, não concorrência e não aliciamento — Estabelecimento de obrigações para proteger informações estratégicas, evitar a concorrência desleal e impedir o assédio a empregados ou clientes da sociedade.
Sucessão familiar e planejamento patrimonial — No contexto de sociedades familiares, o acordo de sócios pode incluir cláusulas de sucessão, estipulando condições para que herdeiros assumam posições no quadro societário ou na administração da empresa, prevenindo litígios entre familiares.
A adoção de um acordo de sócios, portanto, não se limita a sociedades de grande porte ou a empresas com múltiplos investidores. Também é recomendável para startups, pequenas e médias empresas, sociedades familiares e joint ventures, sempre que houver o desejo de alinhar expectativas e preservar a estabilidade do negócio.
Conclusão
Contudo, é importante ressaltar que, para que o acordo de sócios produza os efeitos desejados, ele deve ser elaborado com precisão, clareza e compatibilidade com a estrutura jurídica da sociedade e com a legislação vigente. Um pacto mal redigido ou que contenha cláusulas abusivas pode, em vez de prevenir conflitos, se tornar fonte adicional de disputas judiciais ou arbitrais.
A recomendação, portanto, é que a celebração de acordos de sócios seja acompanhada de assessoria jurídica especializada, preferencialmente integrada a profissionais das áreas contábil e financeira, a fim de garantir que o pacto esteja alinhado à realidade econômica da empresa e aos interesses das partes envolvidas. Mais que um documento formal, o acordo de sócios é uma ferramenta de gestão de riscos e um pilar essencial para a longevidade e a saúde das relações societárias.
Em tempos de dinâmicas empresariais aceleradas e de crescente complexidade regulatória, contar com mecanismos preventivos de governança e resolução de conflitos deixa de ser uma opção e se torna uma necessidade estratégica. O acordo de sócios, nesse contexto, revela-se como um dos instrumentos mais eficazes para assegurar previsibilidade, estabilidade e segurança jurídica nas relações entre os investidores e administradores da empresa.